sábado, 9 de abril de 2011

REVISTA VEJA: BELO MONTE: UM BARRIL DE PÓLVORA PRESTES A EXPLODIR

No rastro das obras da terceira maior hidrelétrica do mundo, conflitos trabalhistas e explosão da violência chegarão à região do Rio Xingu, no Pará

É por trás de grades de ferro que Maria do Carmo Oliveira, de 39 anos, atende a clientela que procura seu mercadinho, num bairro simples de Altamira, no Pará, quando a noite cai. “Tenho medo. Sei que aqui tem tráfico”, diz, olhar desconfiado. A comerciante instalou as grades depois de sofrer um assalto ali perto, em sua antiga loja. Ela, o marido e a filha ficaram na mira de bandidos armados. A cena se tornou comum na cidade: dois homens em uma moto rendem comerciantes, limpam o caixa e fogem por ruas estreitas. “Pensei que pudessem fazer uma maldade.”

Há cinco meses no novo ponto, Maria do Carmo aprendeu a manter distância dos traficantes de crack que rondam o local. E acredita que a violência aumentará quando Belo Monte chegar. Com 105.000 moradores e distante 500 quilômetros de Belém, Altamira é o município à beira do Rio Xingu que ficará mais perto da usina hidrelétrica projetada para ser a segunda maior do país e a terceira maior do mundo.

Quando começar a construção, pelo menos 100.000 pessoas deverão migrar para a região. Há quem fale no dobro. Além de possivelmente enfrentar problemas em canteiros de obras, como os que ocorreram em Jirau, no mês passado, as onze cidades vizinhas (com 370.000 moradores) sofrerão com o súbito inchaço. Às voltas com problemas de segurança e urbanismo, não têm infra-estrutura para suportar a massa de pessoas que já começa a chegar - 4.000 fixaram residência em Altamira no último semestre.
"Belo Monte é um barril de pólvora", resume o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Felício Pontes Jr., que acompanha a discussão sobre a usina há uma década. Diante dos iminentes conflitos que virão no rastro da usina, o governo do Pará elaborou um plano de segurança exigindo do consórcio Norte Energia, responsável pelas obras, medidas de prevenção para quando os 20.000 trabalhadores colocarem as botinas nos canteiros e outras 80.000 pessoas – pelo menos – chegarem.

Em Altamira, a comerciante Maria do Carmo atende a clientela por trás das grades quando a noite cai: "Tenho medo"
Maria do Carmo atende os clientes por trás das grades:
 "Tenho medo"
Na lista: mais equipamentos e carros para a polícia e construção de prédios para abrigar detentos. As prefeituras fazem coro: querem agilidade no cumprimento dos requisitos sociais e ambientais para tocar a obra – as chamadas condicionantes. A direção do consórcio Norte Energia foi procurada pelo site de VEJA em Altamira e em Brasília, mas não concedeu entrevista.

Rota do tráfico - Basta uma rápida espiada nas ruas de Altamira – a cidade menos atrasada da região - para perceber que o policiamento é escasso. A delegacia conta com efetivo reduzido. "Já não conseguimos atender todo mundo: aqui funcionamos como clínica geral", confidenciou ao site de VEJA um escrivão da Polícia Civil. Os assaltos avançam. Para completar, Altamira é rota do tráfico de cocaína que vem da Bolívia e segue para cidades como Belém ou São Luís (MA). O consumo de crack, uma droga devastadora, já explodiu no município.

À beira do gigante Xingu, que tem 1.800 quilômetros de extensão e corta o Pará, em uma região inóspita e com estradas em péssimas condições, como a Transamazônica, a Polícia Federal (PF) sequer tem embarcações ou aeronaves e carece de pessoal. "As autoridades de segurança não estão preparadas para Belo Monte. Estamos de mãos atadas", desabafou uma delegada da PF ao site de VEJA, também sob a condição de anonimato.

Progresso - Quando estiver pronta, Belo Monte terá capacidade para produzir 11.233 MW. A energia garantida, isto é, a que estará disponível para consumo, será de 4.571 MW médios, o suficiente para abastecer Belém por um ano. Maior obra a ser feita no país e uma das estrelas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vai dar cara nova ao Xingu e, a reboque, transformar a área ao redor dele. A longo prazo, espera-se, para melhor.

A discussão sobre Belo Monte se arrasta há três décadas. Nesse período, outras obras com esse perfil foram concluídas. Muitas lições foram aprendidas com os erros de empreendimentos como Tucuruí, no Pará, e Balbina, no Amazonas. O Brasil tem hoje rigorosa legislação de proteção ambiental e tecnologias mais modernas, que permitem alagar regiões menores, produzir mais energia e agredir menos o entorno das usinas.
São mesmo os impactos sociais da construção que causam maior ceticismo. “Já tivemos uma avant- première dos problemas em Jirau e Santo Antônio, que devem ser muito maiores em Belo Monte", diz o engenheiro Ildo Sauer, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor de gás e energia da Petrobras. "Apesar de muitas e amargas lições dos governos anteriores, o governo Lula-Dilma pouco as levou em conta.”
Gargalos - Inevitavelmente, Altamira se transformará num foco de atração populacional, não só de operários, mas de empresários e trabalhadores de todas as partes do país, atraídos pelo sonho de ganhar dinheiro na carona do bilionário investimento. Para suportar a chegada de tanta gente, Altamira terá que ser praticamente reconstruída.  A cidade não tem saneamento básico. A (escassa) água encanada é de péssima qualidade e, segundo moradores, não serve nem para lavar roupa. Nas palafitas em torno dos igarapés que cortam a cidade vivem 13.000 pessoas, segundo estimativa da prefeitura. O atendimento de saúde é precário. O site de VEJA conversou com moradores que chegam a procurar hospitais em Teresina (PI) em busca de procedimentos simples, como preventivos ginecológicos e exames oftalmológicos.

Não existe transporte público em Altamira. O trânsito é caótico, piorado pela incrível proliferação de motos. A frota cresceu 35% de 2009 para 2010, chegando a 16.000 veículos segundo o Departamento Municipal de Trânsito (Demutran) - o total de carros, caminhões, carretas e tratores que circulam pelo município é de 14.000. No mesmo período, dobrou o número de mortos em acidentes com motos: foram 20 vítimas no ano passado. Só metade das ruas é asfaltada. Um fétido lixão, onde são despejadas 105 toneladas de detritos todos os dias, completará um século junto com o município, em novembro. Centenas de urubus estão por toda parte. E colocam em risco o transporte aéreo.

Fernando Cavalcanti
O lixão de Altamira completa um século em novembro, junto com a cidade
O lixão de Altamira completa um século em novembro, junto com a cidade

Milagre - É difícil saber por onde começar para arrumar a casa. As autoridades locais, de mãos postas, parecem à espera de um milagre. É como se Belo Monte fosse exterminar, de uma tacada só, todas as mazelas da região. “Hoje a nossa saúde não é suficiente nem para atender a população atual. A saúde realmente deixa a desejar. A nossa infraestrutura também”, admitiu ao site de VEJA a prefeita de Altamira, Odileida Sampaio (PSDB). Para justificar o atraso, ela responsabilizou a falta de “compromisso com igualdade para todas as regiões” do governo federal. “É como se nós, paraenses, não fôssemos seres humanos”, completou, criticando o fato de a Transamazônica não ter sido asfaltada até hoje.

A prefeitura diz que o consórcio responsável pela obra comprometeu-se a concluir logo melhorias consideradas indispensáveis para que a construção da usina possa começar - são as chamadas  "condicionantes". Segundo a Norte Energia, existem 70 obras em andamento na região. Em Altamira, a mais adiantada é a construção de um posto de saúde. “As condicionantes estão em ritmo lento demais", diz Odileida. "Se tem que fazer, vamos fazer logo."
Outro compromisso dos empreendedores é revitalizar a área onde hoje reinam as palafitas e construir 6.000 casas em local seguro - e seco - para abrigar as famílias que sofrem com as cheias do Xingu no chamado “inverno”, o período de chuvas. Como as moradias ficam em um local que poderá ser alagado caso o nível do rio suba mais que o previsto com a entrada em operação de Belo Monte, as famílias serão removidas.

À espera de Belo Monte, a prefeitura adotou uma solução lamentável. Abriga temporariamente os moradores em barracas no Parque de Exposições da cidade, que têm pedaços de plástico preto como portas. A cena é deprimente: crianças com doenças de pele convivem com jovens que consumem álcool e drogas a céu aberto, sem nenhum policiamento. 

Enquanto as obras não começam, o franzino Rafael Lourenço Soares sonha. Não vê a hora de sair do bairro Boa Esperança, à beira do igarapé Altamira, que alaga todos os anos. “Eu rezo para não chegar janeiro, quando começa a chover. Passo o Natal pensando em janeiro”, diz o jovem, que não aparenta os 24 anos que tem e cursa o primeiro ano do Ensino Médio. “Se pudesse, eu queria nascer de novo.”

EM ALTAMIRA, A REVOLUÇÃO NA ECONOMIA JA COMEÇOU 

Com 105.000 moradores, cidade que ficará mais perto de Belo Monte vive disparada no preço do aluguel; empresários apostam na construção de hotéis

 
Mal saiu a licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que permite a instalação dos canteiros de obra da usina hidrelétrica de Belo Monte, que será erguida no Rio Xingu, no Pará, e a rotina de Altamira - a maior das onze cidades que serão afetadas pelo empreendimento - já mudou. Nas ruas, a circulação de veículos é maior, tumultuando o já bagunçado trânsito. É gente de todos os cantos em busca de novas oportunidades no rastro da construção da usina.

Tanta movimentação tem sentido. Para ser erguida, Belo Monte necessitará dos braços de 18.000 trabalhadores, mas a estimativa é que o empreendimento gere, também, 80.000 empregos indiretos. A expectativa é que a população de Altamira salte dos atuais 105.000 para 150.000 pessoas ainda em 2011. Para se ter uma ideia, 4.000 pessoas fixaram residência na cidade no último semestre. Há quem diga que a população do município vai dobrar. Ou até triplicar.

A cidade sente os reflexos. Na região central, o assunto é o mesmo em cada esquina: o preço do aluguel disparou. Em busca de clientes endinheirados, proprietários estão reajustando preços. Quem não pode pagar não vê opção a não ser sair. A estimativa é que os preços já tenham subido 70%. A desculpa: Belo Monte está chegando.

Nos hotéis, é difícil arranjar vaga durante a semana. Empresas envolvidas com os preparativos da obra fecham pacotes anuais para seus executivos - mesmo que eles não fiquem lá o tempo todo e deixem seus quartos trancados. O empresário Daniel Nogueira, de 51 anos, desistiu de construir um edifício residencial e decidiu erguer um dos mais novos hotéis da cidade. A aposta deu certo: está com lotação esgotada até o fim do ano. O hotel tem 40 apartamentos e até suíte presidencial. “Muitos vieram montar empresas, construir condomínios fechados. Estão atrás do boom que é Belo Monte. Aqui está uma efervescência”, diz.
Altamira, com o Rio Xingu ao fundo: barragem principal de Belo Monte ficará a 40 quilômetros da cidade
Altamira, com o Xingu ao fundo: barragem principal de Belo Monte ficará a 40 quilômetros
Faturamento - Apesar do otimismo de alguns, há outros empresários locais, porém, que não têm certeza se vão conseguir lucrar com Belo Monte. Eles querem ter preferência na cadeia de fornecedores de insumos para a obra. “Belo Monte não é a salvação de Altamira”, afirma Vilmar Soares, presidente do Fórum Regional de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental da Transamazônica e Xingu (FORT Xingu).

A entidade acompanha as discussões sobre a construção de Belo Monte. E reivindica investimentos em qualificação profissional para que, concluídas as obras, os moradores possam ter oportunidades de emprego.

Dono de uma farmácia em uma das mais movimentadas ruas do centro, Elizeu Lacerda, de 30 anos, já se prepara para o aumento da demanda, estocando mais analgésicos e cosméticos. Conta que uma empresa, de uma só vez, comprou 40 vidros de repelente. “Tenho expectativa de aumentar o faturamento, mas por enquanto é só boato de mais empregos, mais dinheiro, mais gente”, diz. “Há 30 anos ouço falar dessa barragem, vamos ver se dessa vez sai ou se vai ser só fofoca. Meu pai, que tem 78 anos, diz que vai morrer sem ver Belo Monte”.

Lacerda faz uma queixa também muito ouvida na cidade que começa a viver uma revolução na economia, mas tem graves carências de infra-estrutura: “Espero que pelo menos coloquem asfalto nas ruas”.

6 comentários:

  1. pelo menos dessa vez a revista veja colocou uma foto decente de Altamira...

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  2. se Altamira tivesse tido uma administração decente nos ultimos anos com certeza a revista veja não teria argumentações de desqualificação de nossa cidade...

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  3. quero saber o que vai aconteser se a barraje comesar , imajine mas de dez mil barrajeiros chegando para se empregarem em um local dese que nao esta conseguindo acolher nem o seu povo avali os de fora .

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  4. quero saber se essa barragem sae ou nao........

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  5. Caberia ao blogueiro investigar também as maracutaias que estão fazendo com o dinheiro público em Belo Monte. Sim, a obra hoje está orçada, oficialmente, em R$ 26 bilhões. Mas existem estimativas de que não vai sair por menos de R$ 32 bilhões. Deste valor sairá do BNDES, ou seja, do nosso bolso, 80% da grana - isso é dinheiro público. Não vou falar em superfaturamento, mas dos valores exorbitantes que estão sendo pagos para donos de hotéis, pousadas e afins, para acomodar os empregados das construtoras - desde operários, engenheiros e etc. Acontece que esses valores astronômicos estão sendo pagos aos proprietários e a metade volta para a mão dos contratantes das empresas como forma de propina. A matemática funciona de forma simples - superfatura a locação para estadia dos operários - o dono do estabelecimento recebe seus 30, 40, 50 mil reais - fica com a metade e a outra metade vai para os funcionários que contrataram. Isso não seria da conta de ninguém, mas estão fazendo isso com o dinheiro público - do BNDES. Procure melhor em Altamira e vai ver um monte de gente comprando fazendas, imóveis e carros. Se procurar em banco não vai achar esse dinheiro. Parece que nosso Brasil não tem jeito mesmo - tem corrupto em tudo que é lugar...

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  6. porque minha denúncia não foi publicada? será que existem interesses ocultos ou será que alguém envolvido com o site está recebendo propina também? sobre os aluguéis superfaturados que são divididos entre os contratantes e os contratados. Dinheiro público pagando propina novamente. O MPF vai saber disso.

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