segunda-feira, 30 de setembro de 2013

BELO MONTE SOFRE OS EFEITOS COLATERAIS DA FALTA DE PLANEJAMENTO

Maior parte dos empregos é destinada quem já atuou em outras hidrelétricas. Alguns moradores acabam no lixão, cada vez maior

A cidade de Altamira vem passando por um acelerado processo de crescimento populacional devido às obras da hidrelétrica de Belo Monte. Problemas no abastecimento de energia, uma ironia no destino, são acompanhados por tráfego intenso de veículos, aumento do custo de vida, alta de 400% no valor do aluguel, explosão no tráfico de drogas e na ocorrência de outros crimes.

A alegação dos responsáveis pela construção da usina, o Consórcio Belo Monte e a Norte Energia, e que foi assimilada por boa parte da população local, é de que as obras atraem investimento e, consequentemente, desenvolvimento para a cidade de 100 anos, que sofre com a falta de infraestrutura. A usina trouxe de volta a esperança de melhoria surgida – e frustrada – no início dos anos 1970, quando a cidade foi uma capital informal da Transamazônica.
Passados dois anos desde o início das obras, o cidadão local ainda não desfrutou das promessas: a maioria dos trabalhadores da construção de Belo Monte vem de outros estados. Conhecidos como barrageiros, os operários carregam na mala a experiência de outras hidrelétricas e grandes construções pesadas. Recente estudo do Ministério Público Federal no Pará aponta apenas 40% de mão de obra local. 

Sem conseguir emprego na tão sonhada hidrelétrica, boa parte dos trabalhadores de Altamira acabou ficando com os restos, literalmente, e foi trabalhar na coleta de material reciclável, especialmente no lixão da cidade, que existe há 30 anos e que cresceu consideravelmente nos últimos dois. 

Irene Souza Almeida, 56 anos, é uma das 40 pessoas que diariamente retiram da grande área onde se despeja todo o lixo produzido por Altamira, latinhas de alumínio e embalagens plasticas que lhe garante entre R$ 350 e 400 por mês na venda do material que é intermediada por pequenos ferro-velhos que vendem para indústria de reciclagem e siderúrgicas.
Irene vive sozinha em uma pequena casa no bairro da Liberdade, a 15 minutos do lixão, em uma casa alugada por R$80,00 mensais. “A dona da casa é uma pessoa muito boa e alugou pra mim por esse preco porque ela teve dó de mim que sou pobre”, conta ela, enquanto afugenta a imensa quantidade de urubus para recolher as latinhas de um monte de lixo recém-despejado por um caminhão da limpeza urbana da prefeitura. Mãe de sete filhos, sete homens e uma mulher, todos casados, Irene conta que, quando foi casada, trabalhava na lavoura de cacau na cidade de Senador José Porfílio e foi embora porque não aguentava mais o marido, alcoolizado e agressivo. Os filhos ainda trabalham na coleta de cacau em fazendas da região. Todos os dias, ela chega ao lixão às 7h e trabalha até o começo da tarde, sob o sol forte da região amazônica. 
Em julho de 2012, a Norte Energia havia iniciado um curso de capacitação para todas as pessoas que trabalham no lixão, que contava com noções de cooperativa e administração e operação de máquinas-prensa. Algumas das pessoas tinham receio deste curso porque não confiavam nas propostas da empresa e porque tinham receio de ganhar menos no final do mês, devido aos custos que acarretam o funcionamento de uma cooperativa. No lixão de Altamira, cada um administra sua própria produção e o modo como vende. Há alguns casos em que duas famílias trabalham juntas e dividem o lucro. 

À desconfiança dos catadores se somaram os protestos de pescadores e indígenas, que por duas vezes ocuparam os canteiros de obra reivindicando o atendimento dos pré-requisitos firmados pelo Ibama e pela Funai para autorizar a construção da hidrelétrica. A isso se seguiu uma greve que culminou em três dias de quebradeiras dentro de dois dos três principais canteiros. Estas questões desmotivaram os trabalhadores do lixão a continuar o curso.

Por Anderson Barbosa, especial para a Rede Brasil Atual (RBA)

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